ELOGIO E REVERÊNCIA

Elogio e reverência

Elogio e reverência
Ricardo Gondim

Reverencio os mansos: gente com o semblante pacificado pela ternura do encontro e que nunca olha de soslaio.
Reverencio os sensíveis: gente com a alma abrandada pela dor do mundo e que jamais volta as costas ao quebrantado.
Reverencio os corajosos: gente com o espírito fortalecido pelo amor à justiça e que não teme o desgaste da reputação.
Reverencio os discretos: gente com a ideia de triunfo forjada pela honra desinteressada e que não vende a alma pelo aplauso.
Reverencio os íntegros: gente com sentido de vida calçado na ética do amor e que vive de princípios nobres.
Reverencio os santos: gente com a biografia inspirada pelo respeito à vida e que gera inveja santa em pessoas comuns como eu.

[Se alguém pergunta: Existe inveja santa? Óbvio. Não há como esconder, ela pulsa em mim. Minha inveja santa admira e aplaude. Confesso: não hesito prostrar-me diante da dignidade, beleza, lealdade e grandeza de quem quer que seja.]

Soli Deo Gloria

Ricardo Gondim recita “Carta Aos Puros” de Vinícius de Moraes

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Ricardo Gondim recita “Carta Aos Puros” de Vinícius de Moraes.
Programa ENCONTRO COM AS LETRAS.
Este e muitos outros programas, você encontra aqui TV Betesda | www.tvbetesda.com.br

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O rosto da Pietá

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O rosto da Pietá
Ricardo Gondim
Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou? Embora ela possa esquecê-lo, eu não me esquecerei de você!
Isaías 49.15
Guardo uma miniatura da Pietá.

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Mãos de tesoura – Ramon Goulart

 
Ricardo Gondim by ric_gon_bet  /  2h  //  keep unread  //  preview

Mãos de tesoura – Ramon Goulart

 
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Ramon Goulart me dedicou o texto abaixo depois de me ouvir falar em determinado domingo.
Muito obrigado, amigo. Ainda guardo seu texto como um sacramento.
______________________________

Mãos de Tesoura
Ramon Goulart

Tenho certeza que você já viu aquele lindo drama que se chama: Eduard – Mãos de Tesoura. Se já viu que bom, pois é sobre isto que gostaria de falar hoje. Andei pensando sobre aquele camarada. Aquela história sempre mexeu muito comigo. Não entendia. Tem estórias que demoram para a mente digerir. Porém num dia, tudo ficou claro como uma manhã de verão nas praias do nordeste. Portanto, guarde isto e jamais se esqueça principalmente quando você ver alguém que tem algum dom.
Descobri que quem tem dom, tem mãos de tesoura. O dom é como as mãos de tesoura: pode produzir lindas obras de arte, porém é limitado a outras coisas. Existem muitas obras de arte. Não apenas esculturas. Mas também as artes visuais. Aquelas que dão alegria aos olhos. Temos as artes sonoras, que são aquelas músicas que fazem o tempo parar por alguns segundos e ficamos pensando como podemos ouvir algo tão sensível. Tem também a arte para o olfato que são os perfumes tão caros e tão deliciosos, e além da arte da culinária da qual os chefes de cozinha se esmeram para agradar seus clientes. Existem muitas artes que são frutos de pessoas que receberam um dom. O dom é um presente como o próprio nome significa. Um potencial dado para fazer, produzir algo, uma arte, pintura, uma lasanha ao molho branco, um disco de Bossa Nova do Tom Jobim…

Agora, existem outras obras de arte produzidas por pessoas que tem também dom (mas as vezes não é visto como tal). Uma ponte de safena feita por um médico que salvou a vida daquele paciente tão sofrido. Uma ponte construída por um engenheiro que ligou duas extremidades que eram separadas.

No filme, Eduard produzia esculturas e penteados com suas mãos de tesoura, com o seu dom. Porém, ele era limitado. Ele não podia fazer o que as outras pessoas faziam. Segurar nas mãos do seu amor. Ir pescar, carregar o cachorro, pegar nos dedos um dente de leão… Também ele podia fazer as artes para os outros, mas, o dom (as mãos de tesoura) eventualmente feriam o seu rosto – é preciso saber usar o dom que se tem nas mãos – Ele por várias vezes se feriu, por muitas vezes se cortou e até chegou por acidente cortar os outros. Ele necessitava aprender usar o seu dom. Assim chego ao entendimento que Mãos de tesoura produzem arte, seja ela qual for, más para o seu dono produz também sofrimento.

Salomão soube disto. Os compositores clássicos também. Não existe vida sem a mistura de beleza e sofrimento. Basta tomarmos como exemplo uma sonata: ouvir Nocturnos de Chopin é a declaração disto. Beleza nas notas e sofrimento. Num momento é triste, sofrida, em outro está alegre, saltitante. Até o nome que deram para classificar o tempo mostra isto “alegro”.

Cada pessoa que tem um dom, que tem mãos de tesoura, vive tanto o prazer da arte que ela faz, como o sofrimento de tanto produzir a arte como fruto do seu dom. Existe um peso, uma responsabilidade. E durante o curso da vida, para se aprender a usar o dom/mãos de tesoura, certamente haverão cortes, acidentes. Até poderemos ferir pessoas que amamos com nossas mãos de tesoura. O poder exige controle, domínio. Exige total atenção. E algumas coisas não poderemos fazer. As pessoas que mais tiveram dons foram às pessoas mais tristes e sofridas desse mundo. Foram as pessoas mais mal compreendidas e as que ficaram mais sozinhas. Não porque quisessem. Talvez, porque sabiam que suas mãos eventualmente feririam as pessoas que elas amavam e que estavam sempre perto delas…

Gosto daquele filme. Sempre quando posso, o vejo novamente, porque este filme é uma metáfora da minha condição de artista. E estas coisas são boas de se saber, porque nos preparam melhor para lidarmos com nossas mãos de tesoura.

Mãos de Tesoura: são diferentes, são afiadas, são belas e perigosas, são ferramentas para se produzir coisas belas e prazerosas que só quem as tem pode produzir.

Mãos de Tesoura: são também armas perigosas: e se a pessoa que as tem não as quiser usar para o bem? Um grande exemplo foi Hitler. Tinha mãos de tesoura, tinha o dom de liderar e formar opiniões com sua oratória. Guerras e muita dor podem ser produzidas por pessoas que usam mal seus dons

Gosto de me ver naquele homem. Eduard: Mãos de Tesoura. Ele naquele filme entendeu que sempre carregaria aquele dom. Dependeria dele, saber usá-lo, aonde usá-lo e como usá-lo.

Somos artistas temos o dom. Eduard resolveu ficar trabalhando com o seu dom suas mãos de tesoura. E muitas obras e muito prazer foram produzidos por ele… Olho-me no espelho. Vejo minhas mãos. Que interessante… Elas são de tesoura! Ao olhar mais para o lado esquerdo, vejo pelo espelho que existe papel no chão. Subo os meus olhos e dou de cara com minha obra de arte. Tão linda, tão prazerosa. Tão minha! Feita para você. Nela tinham palavras. Era uma crônica. E no topo estava escrito:
MÃOS DE TESOURA.

 

As metamorfoses – Ovídio

As metamorfoses – Ovídio

 

Categoria: Pérolas – 21/08/2013

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Metamorfoses
Ovídio

Não há coisa alguma que persista em todo o universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa como um movimento contínuo, como um rio…

O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e a todo instante traz algo novo. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e a claridade do dia suceder a escuridão da noite… Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida? Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova… A planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor. Tudo floresce. O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente. Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem. Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve do caminho.

Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso… E também a natureza não descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas. Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados… Todos os seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de Fênix. Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes. De suas cinzas, renasce uma pequena Fênix, que viverá outros cinco séculos… Assim também é a natureza e tudo o que nela existe e persiste.

O cordão de três dobras

15 Ricardo Gondim by carol  /  3h  //  keep unread  //  preview

O cordão de três dobras

 
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O cordão de três dobras
Ricardo Gondim

Somos ávidos. Nossos desejos se tornam vícios quando atropelam as pessoas. Nossos apetites viram pecado quando se irradiam pela alma feito obsessão. Ideais incendiados por certezas criam tiranos – e essas certezas incubam genocídios.

Muitas de nossas perguntas não pedem respostas, só demonstram a nossa sagacidade. Geralmente antecipamos os questionamentos com um Ego adoecido pelo gigantismo. Grafitamos nas ruínas de alguma cidade-fantasma nosso narcisismo patético. Com alucinações onipotentes, buscamos controlar o incontrolável, dar sentido ao sem-sentido e dominar, absolutamente, o absoluto. Não passamos de paspalhos tentando represar o rio do devir – ambicionamos adiar nosso descenso final e inexorável rumo ao pó. Nesse desatino, mentimos para o espelho, corremos de nossa sombra, entulhamos as pegadas que deixamos na praia.

Padecemos de messianismo. Gastamos nossa energia vital para demonstrar uma eleição eterna. Concentramos o centro da galáxia em nosso umbigo. Acreditamos e nos gabamos de que o universo conspira a nosso favor. Reclamamos se a Fortuna não nos galardoar com sorte. Em momentos difíceis assumimos que o azar tem vontade própria e que ele nos castiga. Não gostamos quando nossos privilégios são presenteados a desafetos nossos.

Olvidamos que a vida é curta e fina como cristal. Logo desceremos de qualquer palco, plataforma, púlpito ou tribuna. As nossas décadas não encherão os dedos de nossas mãos. Nossos joelhos trôpegos exigirão bengalas. Nossa assinatura ficará trêmula. Nossa independência carecerá de amparo. Efêmeros assim, não podemos deixar que nossos apertos de mão se mantenham frouxos. Essa jornada errática pelo mundo não permite que o nosso olhar se disperse quando estivermos diante de alguém. A história de cada um, escrita também com as tintas da decepção, é sensível. Em qualquer desatenção arriscamos magoar, remexer feridas mal curadas e acirrar o sofrimento existencial de quem nos rodeia.

Arrogância e empáfia não cabem no estojo onde colecionamos nossos instantes que, somados, dão algum sentido à vida. Somos demasiadamente humanos para nos dar ao luxo de aceitar que a banalidade da mesmice nos acorrente. Não passamos de cordões, que carecem de outros cordões; só com três dobras arriscamos não nos rebentar na aventura de viver.

Soli Deo Gloria

O rosto da Pietá

 
43 Ricardo Gondim by carol  /  11h  //  keep unread  //  preview

O rosto da Pietá

 
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O rosto da Pietá
Ricardo Gondim

Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou? Embora ela possa esquecê-lo, eu não me esquecerei de você!
Isaías 49.15

Guardo uma miniatura da Pietá. Contrariando a tradição protestante iconoclasta que não permite imagens de escultura, comprei uma pequena réplica da famosa escultura de Michelangelo. Dois motivos me impulsionaram a parar diante do camelô italiano e pagar para trazer a virgem senhora que carrega no colo o filho morto. Desejei preservar por mais tempo o sentimento que invadiu o meu peito quando contemplei a imagem pela primeira vez na basílica de São Pedro; também senti o impulso de que deveria lembrar, por anos, aquele amor vigoroso, que a pedra não conseguiu tornar frio ou inexpressivo.

O rosto da jovem talhada em pedra expressa dor. Só um gênio conseguiria pegar um bloco de mármore e cinzelar o sofrimento da virgem mãe. Conheço a dificuldade do escritor quando tenta traduzir em palavras angústias vividas. Estarrecido, celebro Michelangelo. Ele escreveu na pedra a dor mais profunda. A dor de Maria.

No dia em que parei diante da Pietá, a manhã chuvosa de Roma parecia chorar uma neblina lenta. Eu estava diante de Maria segurando o filho morto. De repente, vi que as chuvas dos séculos foram suas lágrimas. Não consegui mover os pés, os olhos de Maria me seduziram; sua dor se entranhou em mim e passou a ser minha. Percebi que a jovem mulher não segurava um Messias ou o Salvador do mundo; em seu colo não jazia a esperança de Israel. Ele era apenas o seu filho. Notei que seus braços seguravam o menino que amamentou, o adolescente que viu crescer e brincar nas ruas pobres e poeirentas da Palestina. A mulher que abraçava o filho não era a Maria idealizada pela tradição cristã, apenas uma mãe sofrida, que não continha o tamanho de seu luto, mesmo petrificada. Derramei o meu pingo de neblina. Chorei diante da estátua porque dentro de mim mora um menino órfão. Eu tenho saudade do colo da Maria (mamãe se chamava Glícia Maria) que me acolheu em seu regaço.

Contemplo a Pietá e sou lembrado do grande amor de Deus. Nas muitas especulações sobre Deus, algumas fracassam por não intuírem seu amor. Assim como o escultor conseguiu fazer uma pedra transpirar o afeto, eu anseio que mais pessoas encarnem esse amor. O Testamento Cristão procura retratar exatamente o que Michelangelo esculpiu no rosto de Maria: o sofrimento de Deus diante do escárnio político e da morte desnecessária. A Pietá foi talhada mais jovem do que o homem que ela lamenta em seu colo. Michelangelo explicou a razão de esculpir a mãe mais jovem do que o filho: o amor perfeito nunca envelhece. Quando me sinto só procuro trazer à lembrança a promessa de que alguém que me ama, entende e partilha da minha solidão. Os olhos que me acolhem não são plácidos, mas feridos, como os meus.

Soli Deo Gloria

 
 
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